quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Radinho de Pilha

Cansado de ser o radinho de pilha amigo
Que a tudo acata,
que a tudo vibra.

Exausto.

De histórias urbanas,

Gogós sertanejos,

Horóscopos tortos

Comícios, festejos.


Retiraram-lhe o cordão umbilical;
novamente o itinerário denotava questão de tempo
ao trágico ensejo.

A freqüência modulada descobria o véu da memória,
O chiado reticente era tal qual sinestesia insistente que
remetia a um momento onde era divida uma história;


E ao passo do descompasso:

A vida.

Segue o rádio sua saga:

Segue.

O rádio.

A sina.


De ser mais que simples arauto transistorizado.

Mais do que lhe permitiam...


Mas foi um instante de descuido de seu amigo-dono

Que o radinho resolveu entregar os pontos:

Acovardou-se feito ele.

E chorou chiando

Jogou-se, arquibancada abaixo, abortando sua missão.


Não quis narrar o inenarrável...

(Produção conjunta by Ana Priscila e Eduardo Marques)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Contingente


Acho que tenho sempre razão. Fico lacônico em conversas batidas que me espicaçam com lugares-comuns, não dou abertura inicial a alguns e economizo palavras.

Digo que não gosto do que você adora. Dispenso um monte de gente, conversa de crente, amores carentes, fashioned retros reticentes e tudo que seja só aparência...Falo verdades tão inconvenientes que você deve estar atento, ou em um daqueles conflitos de momento, elas irão afrouxar algumas de suas incrustadas obturações mais resistentes.

Meu sofá velho parece novo e meu sapato novo parece velho. Talvez por isso tenha fugido da catequese aos doze anos e, aos vinte e poucos, descoberto que poetas escrevem meu verdadeiro evangelho.

Tire as crianças da sala. Não indicado para cardíacos. Muito menos cardíacas infartivas convulsivas que desejam marca-passo para felicidade.

E mais, o arquétipo do seu Nirvana ocidental não me apetece: carros maiores, celulares menores, Photoshop no carnaval das identidades e a felicidade em 10x sem acréscimo.

Ao menos, parece que não envelheci tanto, pois ainda gosto mais do John do que do Paul. Embora ultimamente, depois de mudar de rádio enlouquecidamente, acabe me perdendo em alguma empoeirada sessão geriátrica da Continental ou Itapema FM

Mas, certamente hoje sem tantas reprimendas internas e tantos escudos externos que não protegem as artérias de contendas ao toque do pêlo aos poros.

Apenas sublinho um senso que se pensa seguro

Contingências criadas pedra a pedra que cercam um pequeno castelo de sonhos com muro auto-preservação.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Indisposta pra Maquiagem

Chegou à hora do imediato irreversível irrevogável.
O rangido da porta fechando anuncia em trilha sonora.

Réquiem para o momento esperado, provável, protelado.
Objetos sem vida agora estáticos arautos de tantas intimidades cotidianas.

O frio do fogo-morto da lareira sem vida.

O Nazareno, na parede, abandonado pela autoridade divina,
não responde...
Espera pacientemente pelas palavras corretas.
Apenas um humano pregado a dois pedaços de madeira.

Nem cor, nem som, nem braço,
Longivamente apenas áspera cadeira altruistamente estende seu bucólico cansaço.

Mau cheiro, poeira, flores de pétalas pendentes ao solo. Reclinadas como viúvas cansadas, indispostas para maquiagem.

Falta do porvir, nostalgia do que não foi, fragmentos seccionados no espaço. Subjetividades intraduzíveis em profundas cicatrizes sob marcas intermitentes digitais de um último abraço.

Tudo um dia se põe... Tem que ir...

Junta a roupa, baixa o armário démodé, muitas gavetas... Muitas gavetas...

Lembranças... Em tendências “vintage” da moda vacilam.

Lingeries experientes, camisolas coloridas, calças bem vividas,

E as traças conspiram...

Chove lá fora.

Gotículas fugitivas: o balde contém, o travesseiro transborda.

A vida segue, deve seguir.

Banheiro pesado, banho abafado, o chuveiro cansado, o pêlo grudado ao sabão não enoja... Recorda.

A Fantástica Fábrica de Chocolate


Catatônica televisão: crimes banais, dilemas patriarcais, conversas de botas batidas de colméia, zangões, abelhas, flores de Eucalipto ou Laranjeira e incontáveis jardins triviais.

Arquétipos e status, um carro novo ou sapatos que amargam carnês e adoçam a vida.

Frases de efeito, mensagem subliminar.
Estratégia antiga.

Saúvas na Terra da música.
Gafanhotos que não sabem cantar.

Propagandas de açúcar

Pra homens-formiga.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Conto Sobre Dois

Cena 1:
Ele chega todo empolgado, escolheu um filme do Luis Buñuel pra mostrar pra ela. Põe o seu filme primeiro, obviamente, é um clássico para os apreciadores da sétima arte.
- Olha só que mestre! Sutileza e genialidade pra colocar em evidência todos os podres da sociedade burguesa. Sabia que ele era amigo da Dali? Influenciou nas idéias surreais que ele tinha.
– É, o Almodóvar é tri...
O outro, que ela escolheu, comédia romântica com a Drew Berrymore. Ele olha meio desconfiado, ela acha o máximo. Depois do clássico final com ar de felicidade eterna ela o abraça sorridente. Ele pensa: - Preciso ver mais comédias românticas.

Cena 2:
Ela é gremista fanática, assídua no estádio. Desmarca compromissos pra ver o Grêmio na Libertadores. Ele fica puto, mas ao menos não estamos mais nos anos 90, logo esse time do inferno perde. Ele pensa. Depois de uma discussão, por causa do futebol, ele decide ir com ela em um grenal com a camisa do Grêmio só pra agradá-la. (isso é que é amor!). Ela adora a idéia mas acha melhor não. – Vai que teu time faz um gol e tu comemora no meio da torcida do Grêmio.
- Ai amor, mas eu queria taaaaaanto...

Cena 3:
Ele comenta sobre O Pequeno Príncipe (todo mundo já leu O Pequeno Príncipe):
- Que livro maravilhoso, não é somente uma história sobre a inocência infantil, é muito mais. Sobre amizades verdadeiras, amor, ética, sobre o olhar... “O essencial é invisível aos olhos...”
- Eu li vários livros da Coleção Vaga-lume na escola, mas desse não me recordo. Lembro do Escaravelho do Diabo e do Caso da Borboleta Ática.


Cena 4: Ele espera impacientemente ela terminar o make up.

- Porque você demora tanto?
- Pra ficar bonita, pra você...
- Mas você já está desde ás 9 na frente do espelho, estamos atrasados. To pronto desde ás 8:30.
- Claro, bermuda, camiseta e tênis, como é que vai demorar.
- Deve ser porque não quero ficar parecido com aqueles teus colegas engomadinhos que parecem Pastores da Igreja Universal.
- E os teus? Fizeram promessa pra não fazerem a barba?! Deviam formar uma banda: “Os Rolling Stones Falidos”
- Os Stones não usam nem nunca usaram barba.
- Ah, sei lá... Los Hermanos então! Fica até melhor: “Los Hermanos Falidos”.

Nota mental: #@%#!!$*#@!

- Me diz uma coisa por que você decidiu fazer Administração?
- Não sei, tem a ver comigo... sei lá. Algum problema?
- Ah, sei lá... Acho que é um curso que não privilegia a reflexão.
- Ta me chamando de burra?
- Não... não... Só acho que ensinam mais a operar do que a pensar sobre o todo.
- Então faz o seguinte, quando teu carro estragar novamente fica refletindo sobre o todo e não vem pedir o meu emprestado. Mas, acho que fumar aquela “samambaia” que tu fuma deve ser bom pra ficar beeeem reflexivo também né? Realmente tu foi muito reflexivo quando veio falar comigo no msn: “E ae gatinha quer tc?”
- Era uma brincadeira, ironia, saca?

Olhar afetistraçalhador
[1]

Cena final:
Na festa ela entra e já vai pra pista encontrar as amigas (mulher querendo dançar ninguém segura). Ele fica ali, faz um jeitinho, algumas variações do clássico passinho da quinta série, mas definitivamente não tem a ginga malemolente. Pega uma cerveja (é bom ficar segurando a ceva porque nunca se sabe o que fazer com os braços) e fica observando-a. Definitivamente ela arrasa na pista, chama atenção de outros homens e, ele se sente mais senhor de si. Esquece tudo que aconteceu a pouco e relembra todos os bons momentos que tiveram até então. Como ela era simpática, carinhosa, atenciosa e por mais que o criticasse e ele ficasse emburrado, sabia que isso fazia bem, tipo coisa de mãe e filho. E fora isso, ela tinha um beijo, que arrepiava a espinha, dava nó no cerebelo, derretia que nem manteiga. Ficou confabulando porque sabia que ela definitivamente não era o “tipo” de mulher que ele sempre idealizou. Se não a conhecesse nunca iria chegar pra conversar com ela numa festa. Fez pensar que a convivência tinha revelado coisas que iam muito além daquela mulher gostosa que dançava a sua frente. Das diferenças de vida que cada um tinha com o outro, e que, na verdade, ela preenchia espaços cardíacos que ele desconhecia até então.
Ela notou que ele a observava com um sorriso e veio em sua direção, passa a mão no seu pescoço e lhe fala no ouvido. Se vira, dá dois passos e retorna: - vou te mostrar como sou “reflexiva”, vou desvendar o maior sofisma da Filosofia até o presente instante da nossa parca e transitória existência!
- Ahahaha... E qual será oh Sibila de curvas estonteantes?
Ela se aproxima e fala ao seu ouvido: - Bom, não sei bem de onde viemos, mas sem bem pra onde vamos depois.
- Mas, não se assuste com hiperbólica revelação oh pequeno gafanhoto, porque agora demonstrarei meus iniguláveis poderes de adivinhação.
- Humm... Que vais adivinhar mestra?
- Vou descobrir o que você estava pensando sobre mim quando me olhava.

– Ah é? O que era?

É muito simples meu Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos...”

[1] Afetistraçalhar: V.L. Olhar feminino que denota irritação. Expressão de muita raiva através do olhar.