sábado, 31 de julho de 2010

Dicionário


Me encanta toda  a palavra.

Uma qualquer já me extende, me basta.

 Mesa, cadeira, rádio, esteira, toupeira, Pedro, pedra, paralelepípedo, televisão.

 Peixe, cavalo, camelo, bezerro, girafa, hiena, boi, avião.

De repente tudo no mundo orbita em sua volta. 

Em desenlace, imanência antropoética alternando as pautas. 

Distensão rizomática, toda a palavra é semente.

Mesmo mastigada, violentada, pisoteada, nas escolas e por toda a gente. 

Todo dicionário é um circo de metáforas.

Palavras dóceis, tristes, enjauladas. 

Mesmo rosnando, projetando as garras, o chicote estala em riste, silvos pavorosos. 

Não é possível ser feliz entre grades. 

Por isso, se agita incontente esse verdadeiro bordel em celulose de espermatozóides verbosos.


A loquacidade é selvagem, pulsa, pré-natal, nunca morre.

O que me horroriza é a frigidez, dos alfarrábios em especial.

Insanos puritanos que só podem sentir prazer pela oração e pelo trabalho.  

Jamais conseguiram dar a luz, não é meu amigo bigodudo?

Posto que já nem conseguem ficar grávidos.  



"Eles dizem  haver inventado a felicidade. Pensam que felicidade é ficar assentados num charco, onde os naufrágios são impossíveis. Pensam que felicidade é conforto. Sonham com a  "terra da Cocanha", a terra onde o vinho corre no leito dos rios, as paredes das casas são feitas de bolo, e os leitões e aves assados correm para a boca dos preguiçosos. Engordam, indolentes  e estéreis,  sob a sombra das  árvores, incapazes de ficar grávidos e dar à luz Jamais sobem as montanhas;  jamais se arriscam pelos desertos; jamais navegam por  mares desconhecidos. "
Assim Falava Zaratrusta

Cú.


Vai tomar no seu cú.

Sim, cú, com acento. 

Não sou tão polido como o Drummond pra dissertar sobre a bunda.

Vou direto ao âmago da questão, sobejamente. 

Queres o quê?

O que?!

Que destile devaneios sobre o cú poeticamente?

"Oh! Que bela flor de couro que brota dos meios teus..."

Cú é cú, porra.

Calma, calma... Vós não estais entendendo.

Mas é que reza nos anais gramaticais que cú não tem acento!!

Cu, é o que aprendi na escola, da tabela periódica, elemento vinte e nove.  

Certo escritor fala sobre um gramático que lhe escreveu para mostrar que Anu, não tinha acento.

Pode?

Como ele mesmo disse, por via das dúvidas, continuou colocando acento para que os pios dos Anús não fossem confundidos com gases fétidos, ou escrementos...

 Pobre cú, esse tímido enigmático, sempre relegado ao ostracismo.

Que me perdoem os gramáticos, eu sou passional, sem papas na língua, enfático. 

Também não és tu?

 Continuarei, sim, aproveitando toda potência da diástole pleural, nos períodos de excitação mental,
colocando acento no seu cú.


segunda-feira, 26 de julho de 2010

De soslaio


Fechei a porta a inspiração fácil, açucarada. 

Aguinha doce a beija-flores.

Apertei o passo, peso, sisudo, dispenso codinomes. 

Bruto, enfileiro blocos de pedra.

Mãos grossas - rachadas - sulcos, cimento e Eras.

Talvez, todo escritor tenha seus estados:

da ufania romântico-colorida, passando pela ardência do sol sujo do dia-a-dia,

à auto-comiseração dos descornados. 

Ou, quem sabe, escrita seja só alivio, descarrego.

Uma punheta semântico-lexical.

Insensível?

Penso que ser sensível não é rimar "amor com calor...".

"Oh!! O vermelho do teu batom..."

 "Flor do meu jardim..."

[nota mental: eu não poderia descrever a cor dos teu lábios, levianamente,

quando escreves tua boca em mim.]

Ser sensível não é "colocar perfume na flor...".

Coisinha irresponsável, sem vergonha, jogar ao mundo, prematuramente, à kilo,

o que  é quase indizível.

Não sou afeito a imposições, mas chego a flertar, às vezes, de soslaio, 

métodos de controle da natalidade.

Como podem, assim, no primeiro prazer fugaz, já cuspirem seus partos,

indigentes, prematuros, sujos, mendigando pela cidade?  


Sei, sei... Falar de amor é tão normal...

Eu, tenho vergonha.

Os puxo de volta, antropofágicamente, ao ventre, até que não haja nenhum resíduo umbilical.