Impávida atirou o espelho ao chão e se auto-mutilou. Pra ver o sangue jorrar. Pra sentir a própria dor. Deslizou as unhas sobre as feridas num auto-flagelo, tentado espremer as últimas gotas próprio coração. Sentada olhava o sangue escorrer, quase desfalecendo de dor, rasgada . Ao invés de admirar o mistério da beleza sublime de um pôr-do-sol à beira do mar, prefriu atirar-se ao solo, ser invadida por tatuíras inflamadas.
E, o que resta é sentar aqui, e ver-te vertendo.
Te carregaria nos braços, certamente, até o ápice da exaustão. Mas, decidiste caminhar sozinha, mesmo que cambaleante. Certa vez, creio que falei sobre "muletas", às quais usamos para nos apoiar uns nos outros. Que analogia infeliz... Tosca. Realmente, temos a péssima tendência de projetarmos tudo nas outras pessoas, tornando-as escoras pra nós mesmos. Mas, será que não é assim mesmo? Nos apoiamos uns nos outros até conseguirmos aprender a caminhar sozinhos. Humanos, enfim, necessitam uns dos outros. Apoiados seguimos em frente, suportando o insuportável. Aprendendo a andar de mãos dadas, e não escorados. O amor está em tudo. Na solidão absoluta, restaría-nos o ostracismo da loucura. Precisamos apenas, creio, buscar essa clareza de nossas ações, e burilá-las aos poucos.
Minha linda (não leve na literariedade o pronome possessivo, cada Ser é livre e só pertence a si mesmo, por certo), é um caminho árduo aprender a caminhar sozinho. Mas, um dia aprendemos a "sutil diferença entre estender a mão e acorrentar uma alma. Que beijos não são contratos...". Somos crianças ainda, tão apegados aos nossos próprios desejos. Sofrer, definitivamente, não é "amar demais". E, também não quero que tu me ache pretencioso falando essas coisas, embora às vezes seja, por dizer que sofrer não é muito mais que a exacerbação do nosso próprio Ego. É por perder aquilo que acreditamos ser nosso, ou destinado a nós por alguma conjunção astral, que sofremos tanto. E, até por isso, normalmente, só sentimos quando realmente ficamos sós, ou a perigo.
Após, temos também a dolorosa tandência a chafurdar nas próprias feridas, como que querendo achar motivos-motivos, arrancar mea-culpas. Na verdade, supervalorizando o próprio sofrimento. Mentindo inconscientemente a nós mesmos.
O amor é livre, minha linda, incondicional. Das profundezas da minha loucura racional ainda me acho no direito de suportar algumas verdades. E, enquanto não percebermos isso, estamos à merce dos impulsos egoístas. Se realmente amamos quem se foi, temos que compreender que aquele também é um Ser em busca de sua felicidade, e que a felicidade de quem amamos não pode nos trazer tristeza, mas só alegria e, também, felicidade. O amor é sempre caminho, nunca fim. Sempre nos preenche, nos conecta a tudo. Querer só por querer bem, sem querer, entende? Quanto mais gotículas-mãos-dadas com o mundo, maior nossa compreensão sagrada sobre tudo.
Lá no fundo, quem sabe tenhas medo de ser esquecida, uma a mais, fósforo riscado. E, é realmente muito triste ser esquecido por quem tecemos afinidades, que construímos um pouco do que somos hoje. Mas, cada um guardará dentro de si todos os momentos. Em cada passo da vida, até fenecermos, eles estarão conosco, porque talharam o que também nos tornamos. É triste ter que esquecer algo que foi belo, significativo. Mas, não creio que precisamos esquecer, apenas achamos que precisamos, pra arrancar de dentro de si as carnes laceradas. Quando quem se auto-mutila é agente mesmo. Depois que isso fica claro, depois do escuro onde nos metemos pra fugir de nós mesmos, vemos que nunca esqueceremos, e poderemos ohar pro passado com doçura, e felicidade pelos bons momentos vividos. Aí, estamos prontos pra andar de mãos dadas com outras pessoas, sem a necessidade de se apoiar nelas, ou ao menos só vez em quando, ninguém é de ferro, enfim. Com a segurança e firmeza de quem também pode, agora, carregar tantos outros, elevando o amor a um patamar sempre se pondo, indo além.
Eu sei, às vezes sou meio tosco. Mas tosca também minha barba, que tocava em teu rosto naquela noite infinita... Sonhei com você essa noite. Nenhum sonho erótico, calma... Quando acordei me vieram todos esses pensamentos à cabeça. Como o Caio mesmo dizia, parece que, às vezes, somos apenas um canal.
Certamente, isso é uma das coisas mais sinceras que já escrevi, e senti que precisava ser dita, mesmo correndo o risco de ser mal compreendido. Sem estética, só o que brotou do que há de mais puro em mim. Estendo os braços pra provar-te a inocência.
Só te quero bem,
Grande beijo.